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Foto do escritorFilipa Melo

Byron, Napoleão e Eros


Foi um «poeta coxo com feições de Adónis». Um homem com uma pesada herança familiar de crime, desgraças, dívidas e dissolução que ficou para a história como símbolo de extravagante e inédita celebridade. Neto de Jack Mau-Tempo, filho de Jack o Doido e sobrinho-neto de Lord Celerado (de quem herda o título nobiliárquico), George Gordon Byron nasce em Londres, em 1788, e morre na Grécia, em 1824, com 36 anos. Lord Byron, pois, um dos maiores poetas românticos ingleses, cuja biografia, esquadrinhada como poucas desde até antes da sua morte, excede em inventividade e paradoxo a mais fértil personagem romanesca ou o mais louco poema-sonho dos românticos. Da escritora irlandesa Edna O’Brien (n. 1930), chega a Portugal  Byron e o Amor, ensaio-biografia de 2009. O crítico Harold Bloom qualificou-o como «uma espécie de novella, narrada com o mesmo rápido e efervescente andamento do nobre lord narrando Don Juan» (New York Review of Books).

Para ser grande, foi inteiro. Tudo seu exagerou e nada excluiu. Foi todo em cada coisa, pondo quanto era no mínimo que fez. Digressivo, intensíssimo, vibrante, o Byron de Edna O’Brien aprofunda parte do que ficara explícito e fundamentado nos três volumes da biografia assinada por Leslie A. Marchand em 1957 (Byron: A Biography, Random House). No final, a escritora (também autora de uma biografia de James Joyce, editada em 1999), generosa, resume a vida do poeta como «símbolo do homem simples, humano, ambicioso, errático, generoso, devastador, esplêndido, obscuro e discordante». O’Brien quase se absteve de qualificações nas cerca de duzentas páginas anteriores, apenas se permitindo comentários curtos e extemporâneos à margem da narração veloz e fluida dos acontecimentos. Pelo caminho, duas contemporâneas do poeta descrevem-no como «louco, mau e perigoso de conhecer», «amoral como um coelho e disparatado como um ganso». Precisamente, é através da descrição sucessiva das marcas do individualismo narcísico nas ligações amorosas e sexuais de Byron que nos apercebemos de quanto ele contribuiu para uma histórica associação do génio artístico a um extremo e explosivo exagero de sentimentos.

Diz Bloom: «Ele desnorteou e fascinou os seus contemporâneos com uma vitalidade abertamente erótica, composta por narcisismo, pretensiosismo, sadomasoquismo, incesto, sodomia heterossexual, homossexualidade, o que quiserem.» Na verdade, há de tudo isto neste ensaio-novela biográfico. O impossível amor adolescente pela prima Mary como fonte de uma cínica visão idealizada das mulheres. A paixão e «ligação mística» com o jovem pupilo John Edleston, em Cambridge, e o início da vida de dissipação escandalosa, em Londres. A peculiar e irresistível «combinação de génio e satanismo» a causar, nos salões whig ou na Câmara dos Lordes, o desmaio febril de tantas mulheres e a adulação invejosa de tantos homens. O auge da celebridade, 1812-1814, e Byron «a pendurar o coração no primeiro cabide que encontrasse», depois a relação com Shelley (aqui, pouco explorada). As viagens, os casamentos e os incontáveis casos e enfatuamentos, as filhas legítimas e ilegítimas, a paixão louca pela meia-irmã, Augusta («o único amor desinteressado da sua vida»), os indícios de loucura… Vasto, o Caminho do Libertino termina na Grécia, quando o emissário do Comité Grego em Londres, num uniforme escarlate, luta pela independência, enquanto ama violentamente o jovem pagem Loukas. Quando morre, à revelia da sua última vontade, o corpo de Lord Byron é transportado para Inglaterra. Os médicos autopsiam-no, fascinados com a possibilidade de encontrarem no cérebro e na dura-mater uma explicação para os mistérios do morto. Depois, alguns daqueles que ele acreditou mais o amarem cometem a suprema traição: o manuscrito das suas memórias arde em chamas altas. À semelhança da força do estilo drasticamente fluente, não premeditado, do poeta, sobrevive hoje uma personagem altiva e desdenhosa, tortuosa e caprichosa, contraditoriamente virtuosa. Byron consumou, sob quase todas as formas, o amor como «verme imortal que devora o coração». Edna O’Brien descreve-o de forma eficaz e contribui para mais uma certificação do poeta inglês como «eterno arquétipo da celebridade, o Napoleão [que ele tanto admirou] dos domínios da rima» (Bloom).

Byron e o Amor, Edna O’Brien, Relógio D’Água


LER/ Fevereiro 2011 © Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)

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