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E.L. Doctorow | Os acumuladores

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Em Holmer & Langley, E.L. Doctorow adapta um caso verídico que se tornou lenda em Nova Iorque.

21 de Março de 1947. Devido a um cheiro intenso, a polícia é chamada a investigar o que se passa num edifício de três andares na esquina da rua 128 com a 5ª Avenida. Por detrás das portadas pretas fechadas, encontra o inimaginável: 140 toneladas de objetos empilhados, incluindo 14 pianos, múltiplos instrumentos musicais e pistolas, 25 mil livros e um Ford Modelo T adaptado para gerar eletricidade. Dentro dos corredores de fardos de jornais que atravessam toda esta tralha de décadas, estão os corpos dos dois proprietários da casa, os irmãos Langley (n. 1885) e Homer (n. 1881) Collyer, descendentes de uma prestigiada família de Manhattan. O primeiro, morrera por esmagamento numa das várias armadilhas que ele próprio concebera; o segundo, cego e paralisado, sucumbira à inanição. A partir deste caso verídico de sepultados vivos devido à acumulação compulsiva de objetos, E.L. Doctorow (n. 1931) criou o seu 11º romance, Homer & Langley, finalista do Man Booker em 2009 e recém-editado pela Porto Editora (antes haviam sido publicados por cá quatro romances do autor).

Numa crítica a Homer & Langley na New Yorker, Joyce Carol Oates refere os Collyer como exemplo de um dos «arquétipos horrores domésticos» que, ao mesmo tempo, aterrorizam e fascinam os americanos. Para quem se interessa pelo fenómeno, aconselha-se o ensaio Stuff: Compulsive Hoarding and the Meaning of Things, de Gail Steketee e Randy Frost, onde se calcula em seis milhões o número de acumuladores nos EUA. Procedendo à deturpação de alguns dados históricos (o irmão mais velho passa a mais novo; Homer é apresentado como pianista, em vez de Langley; a narrativa avança 20 anos no tempo), Doctorow compõe um retrato «moderado, contemplativo e decididamente não sensacionalista» da vida dos dois irmãos. Daí que, sendo a mais fiel à realidade, a última parte do livro, a do «mundo em guerra» dos Collyer sitiados em casa, seja a menos interessante. «Haveria algo de mais terrível do que sermos transformados numa piada mítica?», pergunta Homer, o narrador, no final do relato por ele dirigido à sua «musa», a jornalista francesa Jacqueline Roux. Nestas páginas, o que se acumula são antes os indícios até à catástrofe de duas pessoas sitiadas nos seus laços filiais.


Edgar Lawrence Doctorow possui uma carreira irregular, identificada com a metaficção historiográfica. Definido pela teórica Linda Hutcheon, o conceito enquadra obras que problematizam e revêm o facto histórico transformando-o num discurso com intensa autorreflexão. É assim que Homer & Langley deve ser lido, como registo antirrealista e não como retrato epocal. Da perda dos pais aos efeitos da Primeira Guerra em Langley, da sua Teoria das Substituições ao desejo de criar um jornal que fixe «a vida americana de uma maneira definitiva numa só edição», dos relacionamentos com mulheres, dos bailes na Grande Depressão ou do acolhimento de uns hippies, até à reclusão absoluta, da cegueira e da surdez de Homer ao total estado paranoide de Langley, entrevemos a vida «original e independente» dos Collyer a partir de dentro (fala de Homer) e do «que não se pode ver». Possível metáfora de como a história individual e privada se pode colocar à margem da História e da esfera pública, o romance falha em densidade psicológica. Não deixa por isso de ser uma interessante revisão de um caso verídico que se tornou mítico e anedótico, conferindo-lhe uma consistência mais dramática do que psicótica ou excêntrica, logo, uma maior dignidade. Estão ainda por editar por cá as duas melhores obras de Doctorow: The Book of Daniel (1971) e Ragtime (1975). Andrew’s Brain, o novo romance, anuncia-se para 2014.

LER / Maio 2013 © Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)

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