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Foto do escritorFilipa Melo

Michael Ondaatje – Um Livro Por Dia

Passado em mosaicos

Um escritor é sempre um arqueólogo, defende Michael Ondaatje: «num nível, avança; noutro, revela o passado». É por isso que nenhum ficcionista seria cruel ao ponto de condenar uma personagem a um perpétuo caminho em linha recta, sobre uma ordem cronológica estrita. Se o fizesse, conseguiria eliminar a memória e, com ela, toda a espessura psicológica. Ondaatje é um veemente exemplo da opção oposta; toma o presente e o passado como mosaicos soltos, mas interdependentes, cola-os e ilumina o interior das personagens e da narrativa. Confirmamo-lo no quinto romance, escrito após seis anos de silêncio: «Divisadero».

Ondaatje nasceu no Sri-Lanka, com ascendência indiana e holandesa. Foi criado em Londres e possui nacionalidade canadiana. Poeta, distinguiu-se na ficção a partir de 1992 e do Booker Prize para «O Doente Inglês» (cuja versão cinematográfica, de Anthony Mingella, venceu 6 óscares em 1997). As origens do escritor justificam-no como grande contador de histórias. Mas a raiz do brilho técnico da sua prosa está na poesia. Ou, antes, numa obsessão com as cicatrizes do passado e os seus estilhaços no presente, captáveis apenas pela poesia.

«Divisadero» é uma narrativa em uma, e mais duas partes. Embora autonomizáveis, o importante são os fios metafóricos que as interligam. Partimos de uma quinta na Califórnia, nos anos 70, onde um homem cria sozinho uma filha, Anna, outra, adoptada, Claire, e Coop, um rapaz cuja família foi assassinada. Anna e Claire são «o reflexo uma da outra» e idolatram o circunspecto Coop, quatro anos mais velho. A primeira parte de «Divisadero» trata da relação entre estas personagens, do episódio traumático que as separou e do seu destino posterior. A segunda e terceira partes traçam a história de amor e perda do escritor Lucien Segura (anterior à I Grande Guerra), objecto das pesquisas de Anna (narradora preferencial), entretanto instalada em França, na quinta onde ele viveu e morreu, e apaixonada pelo seu filho adoptado, Rafael, de origem cigana.

«Divisadero» fala do que nos une ou separa dos outros e do passado. Num estilo extremamente original, Ondaatje tece uma teia romântica de colagens biográficas de amores fracturados, cegueiras e feridas, orfandades e duplicidades. Onde «a crua verdade de um episódio nunca cessa» e «podemos circundar o tempo».

Divisadero, Michael Ondaatje, Porto Editora, 247 págs.

SOL/ 28-03-2009 © Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)

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