Roland Barthes (1915-1980), semiólogo, filósofo, escritor, crítico literário. Um cometa ambivalente que, desde os anos 50, revolucionou o entendimento do texto, sem jamais se fixar numa raiz, num sistema ou numa teoria. Edgar Morin chamou-lhe «um dissidente» cuja necessidade de distância e questionamento permanente se manifestou até perante os interesses maiores: o estruturalismo, o ‘nouveau roman’, a semiologia, o Japão. Na abordagem ao autor de O Grau Zero da Escrita, Mitologias, Elementos da Semiologia ou Fragmentos de um Discurso Amoroso apenas um dado é imutável: o amor pela mãe. Dele recolhemos agora um testemunho poderoso em Diário de Luto, notas pessoais sobre a perda da mãe, escritas pelo autor desde o dia seguinte à morte de Henriette Binger, a 25 de Outubro de 1977, até Setembro de 1979, seis meses antes da sua própria morte (por acidente). Diário de Luto, em versão integral, organizada cronologicamente, é editado por cá pelas Edições 70, no mesmo ano em que a editora Seuil o revelou em França, após, não sem polémica, o irmão de Barthes ter mais uma vez permitido a divulgação de parte do seu espólio inédito.
Henriette morre aos 85 anos, quando o filho está prestes a fazer 64. Com a «mam», morre uma parte de Roland, que sempre vivera com ela e que dela cuidara com zelo durante os meses finais, diz, como se fosse ele a mãe e ela a filha. Em fichas de notas soltas, incluídas no início das obras que ainda finalizará (a conferência «Longtemps je me suis couché de bonne heure» e, sobretudo, A Câmara Clara, de 1979), o escritor regista o cataclismo interno da perda. Exprime a evolução da dor, da emotividade ao desgosto profundo. Analisa o legado da mãe, «tão perfeitamente generosa», e a acédia que toma conta dele, o seu «egoísmo desolado», a incapacidade de ser como ela. É ele mesmo quem explica: «O que é espantoso nestas notas: um sujeito devastado presa da presença de espírito.» Sentindo-se mais do que nunca próximo de Proust, Barthes exprime o luto como «o da relação amante e não o de uma organização de vida». Frágil, expõe-se em estado de abandono perante a solidão definitiva, «sem outro termo doravante senão a [sua] própria morte». Diário de Luto é um registo notável da «integração» do luto através da linguagem, como um desgosto «inexprimível, mas apesar de tudo dizível».
Diário de Luto, Roland Barthes, Edições 70, 267 págs.
SOL/ 27-11-2009 © Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)
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