O mundo tal como vai
Voltaire dá-nos lições de consciência social e moral. Com deliciosa ironia.
François-Marie Arouet (1694-1778), polemista satírico francês, de seu pseudónimo Voltaire. Defensor acérrimo das liberdades civis, do despotismo iluminado e do Deísmo, crítico feroz da intolerância e da religião organizada, por isso, alvo de censura e perseguição. Sempre independente, mesmo nas masmorras da Bastilha, nos exílios em Inglaterra, junto de Frederico II da Prússia ou na Suíça. Egocêntrico, previdente, acumulou uma fortuna considerável e tornou-se o mais respeitado escritor europeu do seu tempo. Na sua genialidade prolífica e profundo horror ao tédio, Voltaire fez a melhor defesa de si mesmo.
Voltaire, autor dos maiores Micrômegas, Cândido ou o Optimismo, Tratado sobre a Intolerância ou Dicionário Filosófico, deixou uma obra imensa (comportando romances, panfletos, contos, poemas, ensaios, artigos científicos, 56 peças de teatro e mais de 40 mil cartas). Entre ela, a editora Estrofes & Versos seleccionou uma boa porta de entrada. Nas duas excelentes colecções de clássicos que a editora (criada em Agosto de 2009) criteriosamente propõe, saíram A Aventura da Memória e Outros Contos (em Outubro, na colecção Resgatados) e o recente Diálogo do Frango e da Franga (na chancela Arbor Litterae). São catorze textos curtos de narrativa e tese. Neles fica clara a intenção de Voltaire de «esmagar a Infâmia».
Hoje, ler Voltaire significa divertir-se. A ironia agudíssima na situação e no diálogo e a simplicidade elegante da prosa impõem-se sobre o seu complexo instinto moral e enquadramento histórico. Voltaire mostra-se, por vezes, «desconcertante na forma, enigmático no conteúdo» (explica a tradutora Susana Pires). As lições estão lá, iluminadas por breves introduções e notas, arrumadas no final de cada livro. Mas, nestes dois volumes, há de tudo: peça de divertimento, parábola, «alegoria engenhosa», elogio histórico, improviso, crónica, diálogo, apólogo, «caso de consciência», sátira, «filosofia alegórica», «confidência mal transposta», narrativa de viagens, anedota filosófica. Delicie-se, por exemplo, com «Os ouvidos do Conde de Chesterfield e o capelão Goudman», «amálgama» de escatologia, Deus e Natureza, física newtoniana, noções de destino e alma. É Voltaire em máxima inventiva, intemporal.
Diálogo do Frango e da Franga, Voltaire, Estrofes & Versos, 152 págs.
SOL/ 25-06-2010 © Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)
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